terça-feira, 20 de novembro de 2012

UTOPIA, LIDERANÇA POLÍTICA, E AUTOGESTÃO!

"Os anarquistas estão certos [...], na negação da ordem existente, [...]. Erram somente em pensar que a anarquia possa ser instituída por uma revolução. Ela vai ser instituída somente quando houver mais e mais pessoas que não exigem a protecção do poder público [...]. Só poderá haver uma revolução permanente se esta for uma revolução moral: a regeneração do homem interior."
- Leon Tolstoi, "A Anarquia" (1900)
(Excerto de um texto proposto para reflexão por Paulo Borges)


    Na minha adolescência vi (cinema) e li (livro) "Guerra e Paz" de Tolstoi várias vezes!
Mas é necessário termos cuidado e analisar bem o que é dito por pensadores, que observam a sociedade e descontentes com o seu funcionamento concreto, atiram frases "bombásticas", perante as quais podemos tomar duas atitudes:
- olhar para o grande escritor, ler a frase de raspão, e dizer, "que bela frase" , Tolstoi  é o máximo ...
- ou pode dar-se ao trabalho de analisar a frase e procurar tirar conclusões (sem aceitar o "magister dixit" do grande escritor que o continua e continuará a ser, independentemente do comentário que façamos).
Indo pela 2ª via, , podemos concluir:
- que Tolstoi contesta a autoridade do Estado, e defende uma sociedade sem Estado, a qual no seu parecer é igualmente defendida pelos "anarquistas";
- que essa sociedade sem Estado (e sem classes?) não será resultado de uma revolução (como o pensam erradamente os "anarquistas") mas resultará de os cidadãos se tornarem economicamente independentes de tal forma que não precisem de qualquer protecção institucional.
Bem e agora olhando para a realidade social (actual) e perante as classes sociais concretas que podemos perspectivar?
1- os trabalhadores dependentes (que precisam de trabalhar para sobreviver) ganham na exacta medida do necessário à sua sobrevivência, e a não ocorrer alguma herança de um familiar abastado, ou um golpe de sorte qualquer (encontrar um tesouro, ou sair -lhe uns milhões no euro-milhões ... irão continuar sempre dependentes da sua força de trabalho, ..., e se conseguirem pagar a casita, já nada mau. De qualquer das formas, o mais certo é chegarem à velhice, e se não beneficiarem de protecção social Institucional, arriscam-se a morrer à fome ...
2 - Os "donos do negócio" (empresas, propriedades, ...) para os quais trabalham os trabalhadores, podem acumular riqueza, e tornarem se de facto independentes de qualquer protecção social institucional ... Se não houver leis, os "donos do negócio" podem recrutar "Jagunços", "pistoleiros", e o que necessário for, para enriquecerem mais depressa, isto é para explorarem mais e mais os trabalhadores e dificultarem a vida aos pequenos "donos do negócio"!
3 - Por isso o Estado é uma espécie de força arbitral: verte em leis princípios éticos mínimos, e essas leis têm de ser respeitadas por todos!
Havendo democracia (um homem e um voto) e havendo separação de poderes (executivo, legislativo, judicial) a sociedade até pode atingir equilíbrios desejáveis em termos de equidade e justiça social.
Claro que se como sucede hoje existir uma forma de os interesses dos "donos do negócio" serem favorecidos pelo poder executivo (através dos partidos domesticam-se os deputados) obtendo leis favoráveis, de tal forma que a repartição da riqueza social é distribuída a favor dos donos do negócio, os quais ainda achando pouco ainda conseguem negócios leoninos à custa do sacrifício de mais impostos que incidem sobretudo sobre quem trabalha, então dessa forma, os desequilíbrios tenderão a acentuar-se, e de um lado teremos meia dúzia de " multimilionários" e do outro lado a população, recebendo salários abaixo do limiar da pobreza, escravizada pelo Estado e pelos "donos do negócio" ...
4 - Isto é, não havendo democracia, ou estando esta transformada numa Cleptocracia (governo de ladrões e ao serviço dos "donos do negócio" -um exemplo típico é a actual sociedade portuguesa, na qual cerca de 70% da riqueza nacional vai para os bolsos dos "donos do negócio") então quem desejará ver-se livre do Estado serão mesmo os desgraçados que trabalham e embrutecem trabalhando para continuarem sempre na miséria! 
5- Chegados a este ponto podemos já concluir que os únicos que se tornam independentes de qualquer protecção social institucionalizada são mesmo os donos do negócio. E se o Estado, quiser praticar justiça e equidade social para com as classes que afinal produzem a riqueza (os trabalhadores) os donos do negócio, imediatamente se virarão contra o Estado (a velha história dos golpes militares reacionários, isto é em reacção contra a perda de privilégios das classes dominantes).
6 - Então uma conclusão poderá ser extraida de tudo o acima exposto: é que os trabalhadores só conseguirão tornar-se independentes da protecção social institucionalizada, se eles próprios se tornarem homens de negócio, ou seja virarem eles próprios "donos do negócio", para dessa forma serem eles próprios a apropriarem-se da riqueza por eles mesmo produzida.
7 - Portanto para transformar a actual sociedade numa sociedade "auto-gestionada" pelos cidadãos, teríamos de conseguir primeiro uma sociedade, nas quais predominassem fortemente as "cooperativas" de produção, propriedade dos próprios trabalhadores que seriam afinal e simultaneamente os seus accionistas e os seus trabalhadores; as empresas tradicionais (propriedade dos sócios que se apropriam da riqueza produzida pelos trabalhadores) teriam de ser marginais e com peso económico meramente superficial; ...
8 - a realidade económico social das economias de mercado demonstra-nos o contrário: as empresas cooperativas são meramente marginais, e as empresas privadas no modelo capitalista de produção é que assumem o poder e o peso principal, e isso já a um nível transnacional.
9 - Tolstoi poderia então chegar á conclusão que o problema não será efectivamente o de os trabalhadores "se regenerarem interiormente", já que os mesmos estão transformados em vítimas do sistema jurídico económico que os conforma com a sua vida miserável, em favor dos "donos do negócio";
10 - A regeneração teria então de atingir primacialmente os próprios "donos do negócio, no sentido de estes, através da meditação, ou da reflexão religiosa, considerarem que estão a ser extremamente imorais, ao alimentarem a sua crescente e imparável riqueza, à custa da crescente miséria económico-social dos trabalhadores em geral;
11 - Claro que estamos já no terreno da utopia, e é nesse terreno que deve ser colocada a reflexão de Tolstoi, pois nunca uma classe de privilegiados, irá abdicar das suas fontes de riqueza, que são afinal o trabalho subordinado e dependente dos trabalhadores.
12 - Ford ainda teve um laivo de inteligência, mas para ser mais rico: pagar aos seus trabalhadores de tal forma que eles conseguissem comprar os produtos que produziam!
13 -Mas está para nascer o capitalista ou o dono do negócio, que abdique da apropriação da riqueza criada pelos seus trabalhadores, para os enriquecerem e dar-lhes dessa forma a possibilidade de serem eles próprios também "donos do negócio"! Nesse momento deixaria de ser ele próprio "dono exlusivo do negócio" (mas poderia dar-se esse facto, só que sem significado e meramente marginal - um empresário que ousou dar um jipe a cada um dos seus trabalhadores, foi imediatamente processado pelos seus familiares que o queriam internar como doido!)!
14 - O problema em título , poderá agora ser colocado: até que ponto um líder político de um partido poderá enveredar pela utopia (estamos já nos tempos de hoje) ?
15 -Será razoável um líder político desejar uma sociedade sem classes, auto-gestionada pelos seus cidadãos, tornados eles próprios donos dos seus negócios geridos por sua vez também em auto-gestão, dispensando a figura do Estado (uma vez que os interesses entre os cidadãos estavam auto-regulados pelos próprios ? 
16 - Para mim, mais que razoável, seria desejável que assim fosse, e se de facto todos os líderes políticos tivessem como horizonte um tal tipo de sociedade, na qual a dignidade humana e sócio-laboral dos seus cidadãos, era assumida por todos (ou de uma forma maioritária e predominante) , por certo que todos beneficiaríamos (menos os tais hiper privilegiados que baseiam a sua acumulação de riqueza na hiper exploração de quem depende dos seus rendimentos de trabalho).
17 - Mas para aí chegarmos (isto é para chegarmos a uma sociedade com maior equidade e justiça social, na qual a dignidade das relações sócio-laborais seja um facto, e na qual o desenvolvimento sustentável seja a regra -respeito e solidariedade pela dignidade humana, animal e ambiental), um longo caminho de luta democrática pela transformação das nossas sociedades, é necessário empreender!
18 - Desde logo, no caso concreto da sociedade portuguesa, torna-se necessário aprofundar a democracia estatuída na CRP e transforma-la o mais possível numa democracia directa e participada por todos os cidadãos, o que pressupõe o respeito pela separação institucional de poderes (executivo / Legislativo / e Judicial), ou seja que o Governo assuma a sua função de prosseguir os interesses da causa pública(e não se deixe corromper pelos interesses particulares dominantes, como está sucedendo actualmente), que o Parlamento e os deputados assumam a sua função fiscalizadora sobre o poder executivo (o que pressupõe não permitirem qualquer dependência -carta assinada ou análoga - dos partidos que os candidatam,; e que o poder judicial e a Magistratura e a Presidência da república assumam efectivamente as suas funções constitucionais, mas pressupõe também que os eleitores não sejam meramente o fundamento do poder político, mas que exijam e saibam exigir de facto, poderes pós-eleitorais, como sejam os de impugnação de decisões públicas que prejudicam o interesse geral, o de tomarem iniciativas legislativas, o de proporem referendos vinculativos (poderes exercidos directamente pelos cidadãos e não dependentes de autorização dos poderes instituídos).
19 - Construir e conseguir aprofundar uma democracia mais participada e directa poderá ser o caminho que nos conduzirá pela certa a uma sociedade na qual os cidadãos, todos os cidadãos poderão gozar de maior autonomia e de uma capacidade económica adequada à usa dignidade sócio - laboral e com crescente capacidade de participação efectiva na co-gestão das empresas onde trabalham e por que não, com a formação e afirmação crescente de cooperativas de produção auto-gestionadas.
20 - O trilho da "utopia" constrói-se pelo trilho do aprofundamento da democracia política, económica, social e cultural, à qual a CRP abre as portas ...e o Tolstoi visionário e utópico por certo apoiaria esse caminhar, pois no seu termo teríamos menos Estado (não haveria tanta necessidade de polícia e de militares para defender as classes privilegiadas e exploradoras da actualidade), e teríamos maior cooperativismo económico-social e mais auto-gestão empresarial! Ao fim e ao cabo os cidadãos, todos os cidadãos seriam mais donos do seu trabalho, da sua riqueza produzida, e do seu próprio destino!

2 comentários:

  1. Olá Manuel Alves!
    Oxalá mais gente NOS ouça e adira ao movimento tolstoiano. Também é uma das minhas referências. Abraços.

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  2. Olá João Soares!
    A política sendo a arte do possível, sem dúvida que ficará melhor servida se os seus artistas forem orientados pelas mais nobres utopias.
    Abraço fraterno.

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